Chamada para Publicação de Dossiê Temático “Ainda o Regionalismo, nosso contemporâneo?” REVELL - V.3. N. 37 - 2023
Chamada para o Dossiê Temático “Ainda o Regionalismo, nosso contemporâneo?”
REVELL - V.3. N. 37 - 2023
Período de recebimento de originais: até 30 de janeiro de 2024
Organizadores:
Andre Rezende Benatti (UEMS) - http://lattes.cnpq.br/8908183939079152
Jocelito Zalla (UFRGS - Colégio de Aplicação) - http://lattes.cnpq.br/1887179648015597
Rosana Cristina Zanelatto Santos (UFMS/Pq/CNPq) - http://lattes.cnpq.br/2002228440264598
Wellington Furtado Ramos (UFMS) - http://lattes.cnpq.br/2232358510112890
O Dicionário Eletrônico Houaiss (2023, s/p) apresenta, para o vocábulo “regionalismo”, a seguinte acepção:
substantivo masculino
1 caráter de qualquer obra (música, literatura, teatro etc.) que se baseia em ou reflete ou expressa costumes ou tradições regionais
2 tendência a só considerar os interesses particulares da região em que se habita
3 doutrina política e social que favorece interesses regionais
4 ling palavra ou locução (dialetismo vocabular) ou acepção (dialetismo semântico) privativa de determinada região dentro do território onde se fala a língua
4.1 lit caráter do texto literário que se baseia em costumes e tradições regionais, e que tem como uma de suas características o uso de linguagens locais
O substantivo em questão tem acepções tautológicas; e mesmo se procurarmos a acepção do adjetivo “regional” limita-se a informar que se trata de “algo que pertence a ou é próprio de uma região”. Por sua vez, a acepção de região também carrega seu quê de generalidade, ao delinear que “região” é uma “grande extensão de terreno ou território dotado de características que o distinguem dos demais” ou, ainda, o sentido anatômico de “parte do corpo com limites mais ou menos precisos”.
Seja do ponto de vista de uma acepção espacial/geográfica, seja do ponto de vista figurativo, a noção de região carrega em si a necessidade de um conjunto de traços distintivos (semas ou mitologemas) que propiciem os critérios para que se preencha com algum conteúdo essa espécie de delimitação arbitrária de uma fronteira (física ou metafórica). Os sentidos do termo “regionalismo”, por exemplo, são trazidos à nossa compreensão por meio dos termos “tradição”, “interesses particulares” ou, ainda, “língua” e “linguagens locais”.
Historicamente, o termo regionalismo figura ao lado de outro não menos problemático: nacionalismo. Via de regra, podemos concordar que tais noções de “nação” e de “região” estão fortemente ligadas às noções históricas, sociais e econômicas que se materializam na vida cotidiana desde a invenção das fronteiras nacionais, especialmente no Século XIX, até a consolidação das identidades nacionais na disputa simbólica que permeia as artes tanto quanto a geopolítica.
William Cereja e Thereza Cochar (2013, p. 199), por exemplo, ao tratarem do ímpeto nacionalista da literatura Romântica no Brasil afirmam:
um dos traços essenciais de nosso Romantismo é o nacionalismo, que, orientando o movimento, abriu-lhe um rico leque de possibilidades a serem exploradas, entre as quais o indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, folclórica e linguística, além da crítica aos problemas nacionais — todas posturas comprometidas com o projeto de construção de uma identidade nacional.
Em outro momento, os mesmos autores destacam:
A busca dos espaços nacionais como meio de definir a identidade cultural — introduzida pelo Romantismo — acabou se tornando uma preocupação permanente e cíclica na arte brasileira. No começo do século XX, por exemplo, o sertão baiano foi retratado em Os sertões, de Euclides da Cunha. Na década de 1930, vários escritores, como Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado, deram continuidade aos temas regionais. Atualmente, além de estar presente na literatura, o regionalismo vem sendo explorado também nas novelas da tevê e no cinema. Novelas como Gabriela, Tieta, O salvador da pátria, entre outras, marcaram a história da televisão brasileira. (CEREJA & COCHAR, 2013, p. 251)
Percebe-se, a partir do discurso de um manual didático, tomado neste caso por sua linguagem acessível e de grande difusão na escolarização brasileira, que o regionalismo de certa forma já vinha contido no ímpeto de formação de uma identidade nacional no Romantismo, mas, se é que o Romantismo tenha se esgotado no Século XIX, as formas do regionalismo não se limitaram a ele.
Flávio Aguiar (1999, p. 13), por exemplo, enfatiza a presença do regionalismo na literatura do início do Século XX:
Com a virada do século, o regionalismo se expande. Aparecem descrições de problemas novos — os da nova imigração europeia juntamente com o abandono dos ex-escravos e de seus descendentes pela política oficial. As guerras desencadeadas pelas lutas entre facções da classe dominante — os senhores da terra — ganham destaque sobretudo na narrativa, na qual o conto ganha um espaço considerável, ao lado do romance, consolidado como gênero de prestígio. O estilo torna-se descritivo, etnográfico, buscando caracterizar a junção entre forma de vida e peculiaridade linguística. [...] (AGUIAR, Flávio. Com palmos medida. São Paulo: Boitempo, 1999, p. 13)
Seja pela convenção de um território geopolítico, pelo conjunto de tradições culturais ou, ainda, pela repercussão de imagens naturais tomadas metonimicamente como representantes de territórios e identidades, o regionalismo historicamente se constrói em uma rede tensa e contraditória de representações sociais, culturais e subjetivas que, perigosamente, podem tender a estereótipos e homogeneidades redutoras das dinâmicas humanas. Afinal, o regionalismo pode cair no vício das identidades estáticas, assentadas na “cor local”, no tratamento exótico da natureza ou das culturas e dos sujeitos, por vezes, inclusive, recaindo em imagens pitorescas.
No contexto dessa discussão, nosso projeto de pesquisa intitulado “Ainda o Regionalismo, nosso contemporâneo?”, que dá título analogamente ao dossiê proposto, parte da hipótese de que, nos Séculos XX e XXI, diversas manifestações “regionalistas” se constróem analogamente ao ímpeto de formação de identidades nacionais no Século XIX romântico. Nesse sentido, esta chamada visa a acolher trabalhos que se dediquem a analisar criticamente o conceito de regionalismo em objetos artísticos, sejam eles literários, plásticos, fílmicos, arquitetônicos ou outros, com vistas a discutir a atualidade do regionalismo ao longo da segunda metade do Século XIX até esta década de 20 do Século XXI.
São bem-vindos artigos e ensaios que, dentre outras possibilidades, dediquem-se a:
- avaliar as formas do regionalismo no Romantismo secular.
- avaliar criticamente a construção do nacionalismo brasileiro como uma visão estendida, macroestrutural ou, até mesmo, metonímica de um “regionalismo eleito”.
- avaliar o conceito “tradicional” de regionalismo, seja no Romantismo do século XIX ou em obras do Realismo, do Simbolismo, do Decadentismo, do Modernismo.
- avaliar as formas do regionalismo no assim chamado “pré-modernismo”.
- avaliar as formas do regionalismo no Modernismo da Semana de 1922, do Grupo dos 5, da tensão entre paulistas e cariocas, dos outros modernismos brasileiros.
- avaliar as formas do regionalismo no romance de 30.
- avaliar as formas do regionalismo em literaturas supostamente regionais.
- avaliar as formas do regionalismo na tensão entre “o particular e o universal” ou entre “o próprio e o alheio”.
- avaliar as formas do regionalismo no suposto conceito de literatura brasileira, incluindo a operação metonímica de universalizar literaturas de grandes metrópoles como sendo nacionais.
- avaliar como regionalistas as obras literárias paulistas e cariocas, ou quaisquer outras recebidas como “brasileiras” sem questionamento sobre sua possível regionalidade.
- avaliar as formas e representações de conceitos, temas e procedimentos supostamente regionalistas em manuais didáticos de literatura, de artes, ou outros.
- avaliar as formas do regionalismo nas Artes Visuais, no Cinema, na Arquitetura, na Música ou em outras expressões artísticas ou saberes.