Dados técnicos - Edição nº20, Vol 1 – janeiro a junho de 2021
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Gênero, Sexualidade e Relações Étnico-raciaisAbstract
Nos anos, testemunhamos a ascensão de um movimento reacionário, constituído por determinados setores conservadores e religiosos da sociedade e apoiado por políticos parlamentares, que têm direcionado seus esforços ao aniquilamento das árduas conquistas dos Movimentos Feminista, do Movimento Negro e de LGBTs[1] no âmbito das políticas públicas, sobretudo educacionais. Nessa recente “cruzada”, promovem-se discursos como a “ideologia de gênero”, disseminada de modo a atingir a sociedade alheia ao tema, principal justificativa para a censura dos termos “gênero” e “orientação sexual” no Plano Nacional de Educação em 2014 e nos Planos Estaduais e Municipais em sequência. Nesse âmbito, a reforma empresarial da educação não é acidental, é um projeto de política agressiva que bitola a qualidade do ensino nacional gerando efeitos colaterais devastadores ao mesmo tempo em que permitem o controle político e ideológico da instituição e o aparato escolar. Assim, a homogeneização e a negação da pluralidade repercutem no negligenciamento das diferenças, na padronização de comportamentos e na negação do outro, subalterno que tem aparição como alguém que precisa “se ajustar”. O projeto “Escola sem partido”, o alarmante crescimento das taxas de feminicídio e a ascensão do debate acerca da existência de uma suposta “ideologia de gênero” são exemplos disso. Podemos destacar outros fatos como o de que, na pandemia de Covid-19, quem mais morre são os negros, que eles compõem quase metade da população brasileira, sendo também os menos assistidos governamentalmente ou que mulheres e negros têm salários menores que homens brancos ou, ainda, que houve, historicamente, encarceramento em massa de negros no Brasil. Tais mecanismos de proliferação de ideias, práticas e reproduções estão caracterizados por práticas e representações que dizem respeito a questões de gênero, sexualidade e relações étnico-raciais.
Para situar o lugar teórico por meio do qual se situa esta edição, vale mencionar que, a partir dos anos 70, uma ampla forma de produzir ciência na academia se voltou para questões de gênero e de sexualidade. Mais tarde, questões étnico-raciais passaram a ser incorporadas individual ou interseccionalmente. Academicamente, tal movimento emergiu a partir da criação dos departamentos Women Studies, ampliado posteriormente para os Gender Studies, multiplicando-se para cada vez mais instituições e núcleos de pesquisa mundo afora. Chegaram a ser estabelecidos não apenas núcleos e departamentos de pesquisa, mas houve, também, a instauração de periódicos e a expansão de publicações, além de elaboração e execução de eventos que se voltaram para estas questões.
Acerca dos estudos de gênero, podemos destacar a existência dos estudos feministas e dos estudos que articulam o conceito de gênero na interseccionalidade com o conceito de sexualidade (é o caso dos estudos queer, por exemplo). Para pensar nas formas por meio das quais o patriarcado e o machismo se articulam às relações sociais é preciso destacar que tal organização pode implicar na redução da participação de determinados seres humanas em detrimento de outros enquanto participantes sociais efetivos. Isso acarreta o silenciamento e a inviabilização da participação, mesmo depois da conquista do sufrágio feminino, fazendo com que inúmeras mulheres permaneçam marginais, por exemplo, na política, ainda que constituam maior número em relação à população de homens no Brasil. Vale destacar, portanto, que não basta exigir acesso às atividades próprias dos homens, mas a valorização equivalente, sem hierarquias, porque muitas vezes o comportamento dos homens é visto como universalizante e o das mulheres como reduto de uma posição social particular. Voltar-se para o estudo dos gêneros, na interface com expressões e práticas sociais em torno da sexualidade pode tornar possível explorar classificações, normatividades, regulações e convenções a partir de recortes como hetero-homossexualidade, economia, aspectos sexuais e afetivos.
Em relação aos estudos étnico-raciais, pode ser mencionado que o fenômeno do racismo ganha roupagens distintas com o passar do tempo. Se considerarmos que 47% da população brasileira é negra e vive em condições inferiores aos brancos, no que diz respeito ao IDH, por exemplo, isso torna cada vez mais abissal a distância entre negros e brancos no país. O pensamento histórico-sociológico nacional ou oriundo de fontes estrangeiras frequentemente pode se voltar para reflexões acerca de ações afirmativas e, também, para a inserção do negro em áreas de conhecimento e mesmo no mercado de trabalho ou acerca das condições financeiras. Assim, a afro-filosofia se caracteriza como um modo de pesquisadores negros elaborarem posicionamentos e concepções de mundo aliadas à prática política de transformação, considerando-se a urgência da necessidade de inserção nas esferas de poder.
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