Apresentação
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Erotismo, Literatura Brasileira, modernismoAbstract
Em 2022, a Semana de Arte Moderna completa o seu centenário. Na conferência “O movimento modernista”, Mário de Andrade defende que “a Semana de Arte Moderna dava um primeiro golpe na pureza do nosso ‘aristocracismo espiritual’”. Com efeito, o modernismo, enquanto projeto estético-ideológico, conforme assinala João Luiz Lafetá, constituiu-se como uma revolta contra o que até então era considerado a inteligência artística nacional e, ao mesmo tempo, marcou uma ruptura decisiva com o passado literário. Nessa direção, em 1928, Oswald de Andrade assina o “Manifesto Antropófago”, texto filosófico-literário em que propõe a estética antropofágica como provocação e procedimento para as experimentações modernistas.
O espírito destruidor promove a pesquisa de novas formas literárias e a consolidação de uma consciência criadora coletiva, como ilustram as célebres revistas modernistas que registram a pulsão incessante do grupo. Essa pesquisa tornou-se um importante instrumento de fomento da libertação do idioma literário em prol da construção de uma língua brasileira, do diálogo profícuo com as vanguardas europeias, da incorporação do espírito popular e do elemento folclórico pertinentes à tradição indígena e negra, da concepção de um olhar mais crítico em relação aos problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil.
Na poesia, há um predomínio do verso livre, de soluções formais mais simples e coloquiais, dos temas do cotidiano e do anedótico, além de uma dicção, por vezes, parodística ou chistosa. No campo da prosa, instala-se também uma revolução estético-formal a partir do trânsito de gêneros, de estilos e de registros verbais, além de um olhar menos planificado e idealizado em relação às questões humanas. Entre elas ganhou particular relevo o erotismo, já que os modernistas abriram caminho e assentaram uma lírica sensual e debochada, atenta a uma escritura do sexo e da nudez dos corpos. Tais contribuições e desdobramentos foram assimilados criativamente por diversos escritores da literatura brasileira a partir da segunda metade do século XX.
Vários são os exemplos. Não seria descabido dizer que o erotismo da poesia de Murilo Mendes, por justapor imagens cristãs e surrealistas, inspira em certa medida a religiosidade profanada em Adélia Prado ou Roberto Piva com o seu lirismo místico, alucinante e pornográfico. Caberia ainda nessa série a lírica carnal do paraense Max Martins ou a sexualização da natureza de sua conterrânea Olga Savary. Já na década de 1970, sob o exercício do que se convencionou chamar de poesia marginal, o imperativo libertário do Tropicalismo surge enquanto necessidade de revolucionar o corpo e os valores estabelecidos, como dá testemunho a devassidão podólatra de Glauco Mattoso ou o Eros confidente e alumbrado da literatura íntima de Ana Cristina Cesar. No domínio da prosa de ficção, é forçoso citar Caio Fernando Abreu e o seu eros outsider e homoerótico, além da voluptuosa violência urbana de Rubem Fonseca, de Dalton Trevisan e de Sérgio Sant’Anna. Uma retomada oswaldiana ocorre na verve irreverente das produções literárias de Hilda Hilst e de Reinaldo Moraes, que escancaram o registro obsceno e as formas mais rebaixadas da cultura, enfrentando os moralismos vigentes. Posto isso, o presente dossiê recebe artigos inéditos que venham abordar as contribuições, os desdobramentos ou as implosões da agenda modernista na segunda metade do século XX, tendo como eixos críticos possíveis, entre outros:
- A redescoberta de novas corporeidades já insinuadas durante o modernismo;
- As múltiplas nomeações do corpo erótico e os seus procedimentos alusivos;
- A incorporação do Eros feminino, do homoerotismo e das performances do transvestimento;
- O emprego de uma gramática debochada e de termos obscenos;
- A renovação dos elementos da ficção e da poesia (o narrador, a personagem, a voz poética, entre outros);
- Releituras ou atualizações do cânone modernista brasileiro a partir de abordagens comparativistas, com base em afinidades ou em diferenças;
- História da Literatura Brasileira sob a perspectiva da censura, dos tabus, da imoralidade e da liberação sexual.
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