O horror vem de dentro: o abjeto e o corpo político em três contos de Mariana Enriquez
Visualizações: 1677Keywords:
horror, corpo, abjeção, ArgentinaAbstract
Neste trabalho, pretendo analisar três contos da escritora de horror argentina Mariana Enriquez: Fim de curso, Nada de carne sobre nós e As coisas que perdemos no fogo, relato que dá nome à coletânea à qual pertencem os relatos deste primeiro livro de Enriquez traduzido no Brasil. Como cenário temos um país marcado pelo contraste social e pela violência crescente, de crises econômicas cíclicas e de um passado recente de terrorismo de Estado. Dos doze contos reunidos no livro, apenas um tem um homem como narrador. Nos demais, temos narradoras mulheres que se movimentam por bairros decadentes, casas vazias, ruas sem iluminação e povoadas por viciados, pedintes, prostitutas, traficantes. Os três relatos que analisarei são narrados por mulheres que escolhem, de uma maneira ou de outra, transformar os próprios corpos em anomalias, através de decisões pessoais, mas ao mesmo tempo coletivas ou motivadas por uma força sobrenatural não explícita. No primeiro relato, uma garota conta de uma colega de classe que começa a mutilar-se: primeiro arrancando as próprias unhas, depois os próprios cabelos, cílios e sobrancelhas, por fim, corta o próprio rosto e desaparece da escola. A ação de Nada de carne sobre nós começa quando uma mulher encontra na rua uma caveira humana, que leva para casa e apelida de Vera. Ao longo do conto, a protagonista afasta-se do mundo (namorado, mãe, amigos) e se aproxima de Vera, em um processo de identificação tão grande que decide, ao final, parar de comer e transformar-se ela mesma em uma caveira. Já no conto que dá nome ao livro, As coisas que perdemos no fogo, vemos o surgimento de um grupo de mulheres que se jogam em fogueiras para deformar o próprio corpo e assim protegerem-se do desejo e da violência masculinos. Elas buscam, como afirma a primeira das mulheres queimadas, criar uma nova sociedade, composta de homens e monstros. Nos contos analisados, o horror é criado a partir do corpo feminino, que se torna alheio, abjeto, espaço de dissidência e objeto de terror. As modificações corporais dos três relatos aparecem como um vírus ou uma epidemia, ao mesmo tempo em que se apresentam como resistência.References
AUDRAN, Marie. Resistencias corpopolíticas en Argentina: monstruos femeninos levantándose contra la desaparición. Em: Revell. Três Lagoas, 2017.
BUTLER, Judith. Cuerpos que importan. Buenos Aires: Paidán, 2012.
ENRIQUEZ, Mariana. En Argentina un relato de terror no es sólo un relato de género. Buenos Aires, 2018. Disponível em: https://www.elcultural.com/noticias/letras/Mariana-Enriquez-En-Argentina-un-relato-de-terror-no-es-solo-un-relato-de-genero/10382
________________ . As coisas que perdemos no fogo. Rio de Janeiro: Intríseca, 2017.
FANLO, Luis García. Genealogía del cuerpo argentino. Em: A parte rei N. 64. Revista de filosofia. Rosario: 2009.
GIORGI, Gabriel. Formas comuns: animalidade, literatura, biopolítica. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.
GOICOCHEA, Adriana. Las huellas de uma generación y el modo gótico em la obra de Mariana Enríquez. Em: Revista Lindes – Estudios sociales del arte y de la cultura. Buenos Aires, 2018.
KRISTEVA, Julia. Powers of horror. Nova York: Columbia University Press, 1982.
MILLER, William Ian. The anatomy of disgust. Cambridge: Harvard University Press, 1997.
NEGRI, Toni (2007) El monstruo político – vida desnuda y potencia. Em: Ensayos sobre biopolítica – excesos de vida. Buenos Aires: Paidós.
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License
DECLARAÇÃO DE ORIGINALIDADE E EXCLUSIVIDADE E CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS
Declaro que o presente artigo é original e não foi submetido à publicação em qualquer outro periódico nacional ou internacional, quer seja em parte ou na íntegra. Declaro, ainda, que após publicado pela REVELL, ele jamais será submetido a outro periódico. Também tenho ciência que a submissão dos originais à REVELL - Revista de Estudos Literários da UEMS implica transferência dos direitos autorais da publicação digital. A não observância desse compromisso submeterá o infrator a sanções e penas previstas na Lei de Proteção de Direitos Autorais (nº 9610, de 19/02/98).